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Dor de dente como causa de agitação em um paciente com Síndrome de Cokayne

Este caso que vou contar agora aconteceu enquanto eu ainda era residente e foi muito marcante na minha vida! Inclusive, foi tão especial que apresentei no Congresso Nacional de Cuidados Paliativos em 2019. Tudo o que vou contar aqui foi permitido pela cuidadora através de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e está publicado nos anais de publicação do congresso.

A síndrome de Cockayne (SC) é uma alteração genética autossômica recessiva caracterizada por microcefalia, crescimento pós-natal prejudicado e envelhecimento prematuro. Essa paciente tinha 23 anos e foi encaminhada para a equipe de Cuidados Paliativos pela impossibilidade de tratamento modificador da doença por não haver cura. Na consulta ambulatorial de rotina, a mãe relatou que por dois meses, a paciente manteve-se agitada inserindo continuamente a mão na boca e neste período houve a necessidade de administração de morfina para controle deste sintoma. Em outras palavras, a dor era intensa, né?

Na consulta, a paciente estava com espasticidade em todos os membros e na região orofacial além de rangimento dos dentes à mínima manipulação. Na avaliação intraoral, foi observado fratura de coroa dentária, raiz residual, cálculo dentário em todos os dentes e cáries crônicas.

Os diagnósticos odontológicos dela foram odontalgia, bruxismo secundário à dor, trismo, cárie, fratura coronária e doença periodontal.

Pela dificuldade de atendimento da paciente em ambulatório devido à atrofia muscular e espasticidade, através de uma decisão compartilhada com a mãe e a equipe multiprofissional, optou-se por remover os focos infecciosos bucais em centro cirúrgico.

Na reavaliação, após 1 semana, a mãe relatou melhora da agitação, redução da gravidade do bruxismo e suspensão da administração de morfina. Vocês acreditam?

O que eu quero passar para vocês que estão lendo isso é que fazer diagnóstico de dor de dente nem sempre é simples, particularmente quando acontece em pacientes que não conseguem manifestar a dor de forma verbal. Este sintoma pode levar à alterações de comportamento e necessidade de medicamentos sistêmicos fortes como opioide (morfina) para o seu controle. Neste cenário, nós dentistas temos que ter um olhar especializado diante aos sintomas de agitação e bruxismo que vieram como manifestação de dor.

Por isso que eu digo: todos os pacientes que não se comunicam e apresentam episódios isolados de agitação, agressividade e movimentos estereotipados, precisam passar em uma avaliação odontológica para descartar qualquer alteração orofacial que cause desconforto e dor à eles.

Gostaram do relato? Esse caso foi realizado com uma equipe maravilhosa, entre eles estão as/os dentistas Leticia Rodrigues de Oliveira, Jorge Ferreira de Araújo, Ana Carolina Porrio de Andrade, Maria Paula Siqueira de Melo Peres, Sumatra Melo da Costa Pereira Jales e o médico Ricardo Tavares de Carvalho.

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